Há expectativas crescentes quanto à eventual decretação da inelegibilidade de Bolsonaro pelo Judiciário. Considerando o enorme impacto do assalto à praça dos Três Poderes junto à opinião pública e as vulnerabilidades que provocou no campo bolsonarista, atores políticos e analistas enxergam uma janela de oportunidade para “cortar o mal pela raiz”. Ou para o retorno à “normalidade”.
A análise positiva, não normativa, da questão sugere que há um cenário alternativo igualmente plausível.
O primeiro cenário é que ao ser impedido de disputar eleições Bolsonaro deixaria de ser ameaça. Retornaríamos assim ao padrão de disputa anterior vertebrado por uma competição entre PT e o centro ou centro-direita. Este cenário seria francamente desfavorável ao PT que se alimenta do aguçamento da polarização exacerbada pelo bolsonarismo. Lula viabilizou-se como alternativa ao status quo; sua vitória foi produto não de uma frente ampla mas de uma maioria eleitoral negativa contra Bolsonaro.
O cenário seria radicalmente distinto do vigente sob Lula 1 e 2, e que favoreceu Lula e o PT, por duas razões. Primeiro, o partido e a esquerda em geral encolheram: detêm menos de ¼ da Câmara e menos de 1/8 do Senado. Segundo Leiras, Stefanoni e Malamud em “Por qué retrocede la izquierda?”, o fenômeno é mais amplo: a esquerda perdeu o domínio das ruas e de capacidade de mobilização; a direita detém hoje a bandeira da mudança, a esquerda do status quo.
Mas aqui entra outra variável crucial: o PT não se renovou, mantendo a mesma liderança há 43 anos, fenômeno inédito como apontou Timothy Power, o que é crítico para o partido. O declínio de sua base sindicalista é similar ao observado nos partidos socialistas europeus que reflete a queda da participação da indústria no PIB por lá; entre nós, ela despencou 60% entre 1986 e 2021, passando de 27% para 11%. Mas aqui o problema se agravou com a abolição do imposto sindical.
O segundo cenário é que uma eventual inelegibilidade criaria intensa vitimização no bolsonarismo, mantendo-o mobilizado, o que viabilizaria a transferência do capital eleitoral de Bolsonaro para outro candidato. A reação à inelegibilidade culminaria com uma candidatura alternativa, como aconteceu com o próprio Lula em 2018, o que acabaria beneficiando o lulismo. A “campanha perpétua” que já se anuncia como estilo de governança neste primeiro mês de governo se instalaria, mudando apenas o sinal.
Neste segundo cenário, a chave será o comportamento da economia. Problemas aqui poderão dissipar os ganhos políticos para o novo governo, que resultaram da debacle do “assalto ao Capitólio”, e alimentar o bolsonarismo.
Fonte: Folha
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