Empossados há apenas um mês, deputados da nova composição da Câmara têm trocado farpas e xingamentos em discursos tensos no plenário. Os pronunciamentos reproduzem o ambiente polarizado das eleições de 2022 entre os apoiadores do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O nível de ofensas chegou ao ponto de o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que se elegeu com o slogan ‘Lira é foda’, pedir aos colegas controle verbal e ameaçar com processo no Conselho de Ética aos que não se controlarem.
“A partir da eleição do próximo Conselho de Ética, independentemente de lado, sigla, ideologia, pensamento partidário, o deputado ou a deputada que se exceder no Plenário desta Casa responderá perante o conselho de ética. É inadmissível!”, avisou Lira. Ele foi chamado de censor por deputados que prometem seguir com o tom inflamado nos discursos.
Desde o início das atividades no plenário, Lula foi xingado de “ladrão”, “descondenado”, “Barrabás” — o assassino que foi salvo no lugar de Jesus, crucificado — e “ex-presidiário”. As ofensas ao chefe do Executivo se repetiram mais de uma dezena de vezes.
Em atividade legislativa, um deputado chamou o ministro da Justiça, Flávio Dino, de “merda”, e um parlamentar chamou outro de “babaca” após ser constantemente interrompido durante seu discurso. Outro congressista afirmou ter “nojo e asco” do PT e do PSOL. “É esse tipo de escória que nós iremos combater”. Deputados petistas reclamam dos constantes ataques ao presidente, mas ainda se referem a Bolsonaro como “genocida”.
Lira criticou a postura dos parlamentares pelo menos duas vezes no plenário. “Ontem, eu assisti à sessão da Câmara. Foi deprimente o que nós vimos aqui ante o comportamento de parlamentares, de parte a parte, uns acusando, outros defendendo, e vice-versa”, disse no dia 8 de fevereiro. Ele lembrou que o regimento interno da Câmara diz que nenhum deputado poderá referir-se “de forma descortês ou injuriosa” e lhe garante o direito de remover das notas taquigráficas o que considerar “injurioso contra autoridade deste Parlamento, do Poder Executivo, ou representantes de Estados com os quais o Brasil tenha relacionamento”.
Censura?
O petista Tadeu Veneri (PR) criticou os ataques a Lula e pediu para que se retirassem as palavras ofensivas das notas taquigráficas. “Nós vimos um deputado do PT pedindo que censurasse a ata desta sessão. Censura, até onde eu sei, o PT sempre disse ser contra e agora está querendo censurar a manifestação de determinados parlamentares aqui”, rebateu Marcel van Hattem (Novo-RS). Para ele, “ainda que alguns não gostem de adjetivos, eles são importantes na Língua Portuguesa.” O presidente em exercício, Pompeu de Mattos (PDT-RS), acatou o pedido.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou que a liberdade de expressão deve ser protegida aos cidadãos brasileiros e aos deputados. “Não é razoável que o colega queira que a Mesa ou seu presidente impeça que qualquer parlamentar se pronuncie fazendo a defesa das suas ideias, fazendo uma crítica ou uma denúncia, como a denúncia do caráter autoritário de Bolsonaro. O parlamentar pode afirmar que ele é corrupto”, disse.
A Constituição garante a deputados federais e senadores a inviolabilidade civil e penal por quaisquer opiniões, palavras e votos e que serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Mas a professora de Direito Constitucional Érica Rios argumenta que ainda assim há limites para essa imunidade. “Se um parlamentar, no púlpito, ofende a honra, a dignidade ou mesmo comete crime contra alguém (indivíduo ou grupo), pode ser processado e eventualmente condenado, sim”, afirmou. “Esse é o pacífico entendimento na doutrina e jurisprudência brasileiras, o que se pode constatar pelo posicionamento do STF.”
Mesmo depois da reunião de líderes no último dia 20, onde Lira disse que iria discutir “boas práticas de oratória” no plenário, deputados afirmam que manterão o posicionamento duro, ainda que se reduzam os ataques pessoais. O deputado Sargento Fahur (PSD-PR) é um dos que assim se posicionam. “Sempre lembrando os esquecidos que a esquerda atacou com xingamentos o próprio presidente Bolsonaro e seus ministros durante todo o governo”, justificou.
Fahur criticou a política desarmamentista e xingou o ministro da Justiça, Flávio Dino. “Vem buscar minha arma aqui, seu m.”, disse, em evento com a indústria da Defesa na Câmara dos Deputados. O PSB, partido de Dino, afirmou que irá fazer uma representação contra Fahur.
“Por mais que eu tenha extrapolado em minha fala e que talvez o ataque pessoal não seja o caminho, não pretendo pedir desculpas”, disse o deputado. A justificativa dele foi que, durante ato de campanha, Dino comparou Bolsonaro ao diabo e não pediu desculpas.
Provocações
As provocações na Câmara são constantes. “Eu pesquisei no Google ‘maior ladrão do mundo’. Aparece quem? Lula. Digitei ‘maior corrupto do mundo’. Quem aparece? Lula”, disse Evair Vieira de Mello (PP-ES) no plenário da Câmara. Ele ainda chamou Lula de Barrabás e promete seguir com o estilo. “Essa postura na minha avaliação é a correta e justa. Os caminhos percorridos por esse governo e os métodos usados para chegar ao poder não me deixam dúvidas de como de como tratá-los. Quem escolheu foram eles, e por meus princípios assim serão tratados”, afirmou o deputado.
Um dos deputados que adotam o tom mais agressivo é Gilvan da Federal (PL-ES). Ele diz sentir “nojo” do PT e do PSOL e repete incansavelmente que o presidente é um “ladrão” e “chefe de organização criminosa”.
“Eu, como brasileiro e agente da Polícia Federal, não reconheço um Presidente ladrão. Lula é ladrão! Lula é ex-presidiário! Lula é chefe de organização criminosa! Eu tenho nojo, asco — pena que seus representantes não estejam aqui — do PT, do PSOL!”, afirmou em discurso do plenário.
Logo no primeiro dia, a bancada de Lula e da oposição trocaram “gritos de guerra”. Enquanto os apoiadores do petista puxaram “olê, olê, olê, olá; Lula, Lula”, do outro lado gritavam “Lula ladrão, seu lugar é na prisão”. Deputados apareceram com um adesivo escrito “Fora Lula” e “Fora Ladrão”, tanto na cerimônia de posse dos parlamentares como na votação da presidência da Câmara.
A postura incomoda até deputados do Centrão, grupo de partidos fisiológicos que tem o maior número de deputados envolvidos em esquemas de corrupção. “Eu acho que esta Casa tem que ter realmente um debate de alto nível. É preciso acabar com essas pranchetas de ‘não, Lula’, ‘não, Bolsonaro’. Eu acho que nós temos que olhar é para frente, para frente”, disse o deputado José Rocha (União-BA).
Fonte: Estadão
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