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Há muito o que se explicar à nação

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** Alberto Zacharias Toron

Desde a proclamação do resultado das eleições presidenciais formou-se uma surpreendente aglomeração de pessoas na porta de diversos quartéis. Todas inconformadas com a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas urnas.

Hinos militares, além do nacional, são entoados inúmeras vezes ao dia. Mas o que causa repulsa são os bordões: “Forças Armadas, salvem o país” ou “Forças Armadas, SOS” ou, diretamente, “Intervenção militar, Bolsonaro no poder”.

Com a diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, depois, com sua posse, esperava-se que tais manifestações cessassem; mas, ao contrário, descambaram na assustadora “noite de vandalismo” em Brasília, com ônibus incendiados e até a colocação de uma bomba em caminhão-tanque de combustível perto do aeroporto da capital federal. Isso é intolerável!

Insatisfeitos com as ações anteriores, organizaram nova expedição golpista à capital do país. Invadiram os prédios do Senado, do Supremo Tribunal Federal e o próprio Palácio do Planalto; essas instalações foram selvagemente depredadas.

Havia pouca polícia para muitos vândalos. Há perguntas que devem ser feitas: por que permitiram que os manifestantes alcançassem a praça dos Três Poderes? Por que o efetivo policial era tão diminuto? Onde estava a Força Nacional, que só apareceu muito tempo depois? Inquietante é a questão de saber por que o Batalhão da Guarda Presidencial não defendeu o Palácio do Planalto? Muitas explicações são devidas à nação.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, como muita competência, deu parte das explicações necessárias para entender o episódio que degradou não apenas os Poderes da República, mas a democracia como um todo.

A franquia democrática representada pela liberdade de manifestação assegurada pela Constituição no seu artigo 5º permite que se deplore publicamente ações do governo, que se exponham as mazelas da política empreendida e seus malfeitos. Não, porém, que se ataque a própria democracia, as instituições que corporificam e dão vida ao Estado de Direito e, tampouco, que se ataque pessoalmente as autoridades estatais com ameaças de morte ou mesmo insultos. Assim, pouco importa que alguns vejam como manifestação ordeira e pacífica os acampamentos nos quarteis. A questão é de conteúdo.

Há limites imanentes à liberdade de manifestação. Eu não posso xingar ou insultar pessoas em nome da liberdade de expressão e, muito menos, exprimir injúrias raciais contra quem quer que seja porque a lei incrimina tais comportamentos. O discurso de ódio, igualmente, não pode ser tolerado!

Mas o que ocorreu no domingo (8) ultrapassa em muito as fronteiras da liberdade de manifestação. Representa uma sucessão de crimes contra as instituições democráticas. Entre estes, o de tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito. É certo que nas manifestações em frente aos quarteis não há violência ou grave ameaça, mas o clamor para que as Forças Armadas deponham o governo legitimamente constituído outra coisa não é senão o conhecido golpe pela força das armas. Não há nada de sutil nisso; é pura violência.

Não é possível ser ilimitadamente tolerante, como advertia Karl Popper, sob pena de os intolerantes destruírem a própria tolerância e, com isso, a democracia. É preciso pôr fim ao vandalismo que se assemelha ao terrorismo e a esse tipo de manifestação antidemocrática e ilegal nos quartéis para que o país possa sair desse atoleiro. Passou da hora de o Estado democrático agir para impedir a sandice e permitir a normalidade do país.

** Alberto Zacharias Toron é advogado e doutor em direito penal (USP), é professor de processo penal (Faap), conselheiro federal da OAB, presidente da Comissão Nacional de Garantia do Direito de Defesa e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)

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