O Ministério da Defesa publicou uma resolução que define o papel da corporação nas eleições de 2022. A medida, prevista em lei desde 1965 e que seria somente mais uma no Diário Oficial da União na última semana, chamou a atenção este ano pelo contexto político em que as Forças Armadas foram inseridas. Pela primeira vez, os militares passaram a fazer parte da Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) e romperam um silêncio de 25 anos sobre as urnas eletrônicas.
O texto, publicado na quarta-feira (14/9), orienta a atuação das forças de segurança, sem grandes mudanças com relação ao que ocorre em todas as eleições desde a redemocratização, em 1988: apoio logístico e de segurança para “a votação e a apuração”. A diretriz ministerial também não cita eventual apuração paralela que os militares estariam planejando conduzir por conta própria no dia do pleito.
No entanto, as tratativas entre o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, e o atual titular da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, avançaram. A comissão instaurada pelo tribunal em setembro do ano passado, acolheu, total ou parcialmente, pelo menos 11 das 15 sugestões feitas pela Defesa no âmbito da CTE para o pleito deste ano.
A mais recente, aprovada na terça-feira (13/9), foi a inclusão da biometria de eleitores durante o tradicional teste de integridade, a ser realizada como um projeto-piloto em seções eleitorais. O procedimento foi testado na sede do tribunal na quinta-feira (15/9).
O Metrópoles consultou especialistas que explicam como essa nova atribuição impacta no pleito deste ano e qual o jogo político envolvido nas mudanças propostas pela Defesa.
Logística
Na visão do cientista político Valdir Pucci, a introdução do caráter de fiscalização para a Defesa se deu por pressão e interferência política em um processo que estava e, se mantém, consolidado. O histórico de ligação do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), com as Forças Armadas, contudo, não é a única variável que explica a inclusão da Defesa processo.
“A influência nesta eleição tem mais ligação com a personalidade do presidente do que com sua origem militar. Os questionamentos do presidente que influenciaram parte da ação militar neste processo eleitoral nascem não do fato de ser um ex-militar, mas sim, dele acreditar que as urnas não seriam confiáveis”, opina Pucci.
Tradicionalmente, militares atuam no pleito com apoio logístico e realizam transporte de urnas eletrônicas, pessoas e materiais para locais isolados do país, garantindo que todos os cidadãos brasileiros possam ir às urnas em um único dia e, este ano, no mesmo horário. Também garantem que os processos de votação e de apuração realizados pela Justiça Eleitoral ocorram dentro da normalidade.
As Forças Federais ainda ajudam a manter a ordem pública em localidades em que a segurança precise de suporte extra, desde que sejam acionadas pelo TSE a pedido dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Esse tipo de operação é chamado de Garantia da Votação e Apuração (GVA).
Em 2018, mais de 28 mil militares foram convocados para atuar em 598 localidades nos dois turnos de votação. Em 2014, 30 mil.
Entidade fiscalizadora
O Ministério da Defesa foi incluído, em resolução assinada pelo então presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, na Comissão de Transparência Eleioral em agosto de 2021. A medida foi observada como uma tentativa de acalmar os ânimos diante de ataques ao sistema eleitoral brasileiro, bem como sufocar tentativas de trazer de volta o voto em papel.
As Forças Armadas foram incluídas como entidades fiscalizadoras do processo eleitoral brasileiro. Com a resolução, a Defesa passou a integrar a lista composta por outras entidades, como o Tribunal de Contas da União (TCU), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Polícia Federal (PF). Também estão inclusos partidos políticos e coligações, bem como entidades privadas brasileiras com atuação na área.
Na atribuição, a Defesa passa a ter legitimidade para realizar a auditoria do sistema eletrônico de votação, em todas as suas etapas: desde o desenvolvimento, compilação e assinatura digital até o apoio para a totalização das eleições, conforme descrito na resolução de 2021.
Em março, militares enviaram questionamentos dos militares à Corte Eleitoral sobre o pleito. O documento foi respondido em maio pelo TSE, que apontou uma série de erros de cálculos e negativas de sugestões. Em agosto, representantes da pasta inspecionaram os códigos-fontes dos sistemas das urnas.
Histórico democrático
Na segunda-feira (12/9), reportagem da Folha de São Paulo divulgou que os militares estão se organizando para fazer uma apuração paralela em tempo real com 385 urnas, no dia das eleições. Logo depois, o TSE emitiu uma nota negando ter firmado um acordo para acesso diferenciado aos dados. A Defesa negou ter feito algum pedido nesse âmbito.
Qualquer cidadão brasileiro, no entato, pode acompanhar o processo de apuração do pleito de 2022. Em uma alteração feita pelo TSE para este ano, os dados dos boletins de urna, que antes eram divulgados on-line em até 3 dias depois do resultado, serão disponibilizados em tempo real. Ou seja, uma eventual contagem de votos dos militares independe de qualquer acordo com a Justiça Eleitoral.
Raimundo Fernandes Neto, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), afirma que “vê com muita preocupação a atribuição dos militares como fiscalizadores do processo eleitoral”.
“Devido a esse histórico sedimentado na nossa breve história democrática, a inserção no campo eleitoral como fiscalizatório pode relembrar um histórico não muito promissor da participação das Forças Armadas na sociedade civil brasileira. O afastamento da Defesa nesse processo decisório e de fiscalização da Justiça Eleitoral tem muita importância, porque deixa os militares no devido espaço estabelecido pela Constituição”, defendeu.
Fonte: Metrópoles
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