A ausência de uma cultura de participação política, seja por meio de canais de acesso aos agentes políticos, através de sugestões, pautas e enquetes, seja por meio de ações diretas e acompanhamento de políticas públicas, tem-se a falsa impressão de que é confundível a profissão do lobista com o sujeito operador da corrupção.
A descrença da população nas instituições democráticas, boa parte decorrente das práticas de corrupção envolvendo os principais atores políticos, acaba por abrir espaço para o surgimento de “soluções” absolutistas e inconstitucionais, sob o argumento ufanista de que os fins (acabar com a corrupção) justificariam os meios (práticas ilegais, violação ao Estado de Direito).
Ou seja, apesar de o Brasil ter implementado algumas medidas de combate à corrupção nos últimos anos e também ter apurado e punido muitos atos cometidos por agentes públicos e políticos, envolvendo também grandes empresas, é certo que ainda há muito a ser feito para que se possa reduzir de forma efetiva a corrupção sistêmica existente no país.
Uma das alternativas para que se crie um ambiente de transparência e conformidade é o lobby ou as relações governamentais. A palavra lobby já foi incorporada no vocabulário cotidiano informal de maneira bastante alargada, utilizada para caracterizar a defesa de interesses perante qualquer indivíduo que tenha poder de tomar determinada decisão, enquanto na literatura acadêmica é definida de forma mais técnica, para designar a defesa de interesses perante membros do poder público, que possuam prerrogativa de tomar decisões.
O lobby trata-se de uma representação técnica e especializada, distinta da representação de caráter não especializado exercida pelos políticos eleitos. Ainda que represente a determinados interesses, o lobista possui informações e conhecimentos técnicos e políticos especializados, extremamente úteis ao processo de decisão política (GRAZIANO, 1996)
Ainda que muitas vezes o lobby seja mal visto pela sociedade, em geral por muitos profissionais lobistas estarem vinculados a práticas ilícitas, como bem explanam Mancuso e Gozetto (2011, p. 122), não pode deve ser considerado ilícito por natureza, sob pena de prejudicar o aprofundamento de sua análise e, portanto, ainda que não se possa desprezar o vínculo entre lobby e práticas ilegais, vinculá-lo exclusivamente a esse tipo de prática significaria abandonar as contribuições positivas que pode gerar.
Conforme citado acima, a prática regular do lobby possui amparo legal e constitucional, a fim de que seja utilizado pelos segmentos sociais na defesa dos seus interesses junto ao poder público, possibilitando-os a participar do processo de decisão política.
Assim, o lobby, quando exercido de maneira lícita, pode constituir um instrumento democrático de representação de interesses, apto a contribuir no processo de decisão política e ao bom funcionamento do sistema político como um todo (MANCUSO e GOZETTO, 2011, p.122).
Portanto, não seria necessário e nem desejável eliminar a prática de lobby exercida licitamente, tendo em vista que útil ao aprimoramento da qualidade das decisões políticas, porquanto tem a capacidade de trazer ao processo decisório a visão de diferentes atores sociais (MANCUSO, 2005, p. 2).
Em que pese poder trazer contribuições positivas ao processo democrático, o lobby também traz alguns problemas, especialmente no que se refere à igualdade política, relacionados ao “desequilíbrio entre os lobbies atuantes e a concessão de privilégios injustificáveis a interesses determinados”, de segmentos que possuem maior capacidade de deslocar recursos, especialmente financeiros, em seu benefício (MANCUSO e GOZETTO, 2011, p.124), sejam eles de ordem privada (entidades, confederações, associações) ou públicas (sindicatos, federações, associações específicas na defesa do ente público), etc.
Desse modo, o principal desafio é dotar as instituições de mecanismos que que, concomitantemente, combatam o lobby ilícito, potencializem as contribuições positivas do lobby lícito, e equilibrem o favorecimento injustificável de alguns interesses especiais (MANCUSO e GOZETTO, 2011, p.125).
No que diz respeito ao lobby e a corrupção, conforme Graziano (1996), tendem a excluir-se mutuamente, vez que o lobby é um empreendimento caro e de resultados incertos e, portanto, não haveria necessidade de arcar com algo tão dispendioso se houvesse a possibilidade de utilização de meios mais diretos e eficazes, ressaltando-se que nos locais onde impera a corrupção sistêmica há pouco espaço para o lobby.
Nesse sentido, enquanto no Brasil não se regulamenta adequadamente essa atividade, ainda que na prática integre o cotidiano da realidade política nacional, acaba-se abrindo espaço para o seu exercício de forma ilícita, que, quando envolva o oferecimento de vantagem indevida aos agentes públicos envolvidos no processo de decisão política, pode configurar a prática do crime de corrupção (passiva e ativa). Além disso, o exercício ilícito do lobby pode configurar também os crimes de tráfico de influência, fraude a licitação, dentre outros.
Outrossim, enquanto não há regulamentação expressa no Brasil, o exercício do lobby deve ser efetivado com observância das disposições constitucionais e demais leis pertinentes ao relacionamento entre as esferas pública e privada, da ética e da transparência, destacando-se os certos princípios de transparência e integridade na prática do lobby, formulados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Assim, a atividade das relações governamentais (lobby), quando exercida de forma legal e transparente, amplia a participação dos agentes sociais no processo de decisão política, concedendo maior acesso dos interessados na formulação e execução de políticas públicas e proposições legislativas, gerando transparência e ética no complexo “jogo de poder”.
Artur de Souza Malheiros Porém é advogado.
eferências:
GRAZIANO, Luigi. O lobby e o interesse público. Revista Brasileira de Ciências Sociais – Vol. 12 Nº 35. Versão revista da conferência proferida no XX Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, MG, 22-26 de outubro de 1996.
MANCUSO, Wagner Pralon. Lobby e democracia no Brasil. Revista Comciencia. 2005.
MANCUSO, Wagner Pralon e GOZETTO, Andrea Cristina Oliveira. Lobby: instrumento democrático de representação de interesses? ORGANICOM: Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Pública da Universidade de São Paulo (USP). Ano 8. Número 14. Primeiro Semestre de 2011.
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