De janeiro a maio deste ano, 1.559 militares das três Forças Armadas tiveram pagamentos líquidos de mais de R$ 100 mil por mês. Juntos, os profissionais receberam R$ 262,5 milhões já depois dos descontos, como Imposto de Renda e contribuição para a Previdência dos militares.
A lista dos beneficiados inclui oficiais que integraram o governo de Jair Bolsonaro (PL), como o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello – em março, o general teve rendimentos líquidos de R$ 305,4 mil, ao passar para a reserva remunerada do Exército.
O ex-ministro da Saúde, porém, está longe do topo da lista dos maiores contracheques militares deste ano. O número 1 do ranking é um coronel, lotado no Comando do Exército, chamado James Magalhães Sato, de 47 anos. Em abril deste ano, o pagamento líquido devido a ele foi de R$ R$ 603.398,92, valor correspondente a 38 anos dos rendimentos de um trabalhador que ganhe o salário mínimo atual, de R$ 1.212. O montante também é cerca de mil vezes maior que o Auxílio Brasil, que terá valor médio de R$ 607 em agosto, segundo o governo.
O nome de Sato é mencionado numa decisão de julho de 2020 da Justiça Militar. Em 2006, ele foi denunciado junto com outros 38 combatentes numa investigação que apurou supostas “fraudes licitatórias e contratuais” no Comando Militar da Amazônia, decorrente da Operação Saúva, da Polícia Federal. No entanto, o coronel foi absolvido de todas as acusações contra si, apesar de vários empresários e militares terem sido condenados.
No cadastro do Exército, Sato aparece como “militar da ativa”. A remuneração básica do coronel é R$ 22,4 mil, mas, em abril deste ano, os rendimentos foram aumentados por uma verba de R$ 733,8 mil recebida sob a rubrica de “outras remunerações eventuais”. O campo das “observações” informa que se trata do pagamento de “valores decorrentes de atrasos”, sem maiores detalhes. A reportagem do Estadão tentou contato com o coronel, mas não houve resposta até o momento.
Justificativa
A mesma justificativa é apresentada no caso de Eduardo Pazuello. Em março, a remuneração básica bruta de R$ 32 mil foi acrescida de verbas indenizatórias que somam R$ 282,6 mil em março deste ano, resultando em vencimentos líquidos de R$ 305,4 mil. Novamente, a informação disponível nos dados abertos do Portal da Transparência é a de que seriam “valores decorrentes de atrasos”. A reportagem também procurou Pazuello, mas não obteve resposta.
O segundo maior vencimento líquido até o momento pertence a um Major-Brigadeiro da Aeronáutica, que atua desde fevereiro no Quarto Comando Aéreo Regional (IV COMAR), sediado em São Paulo, junto ao aeroporto do Campo de Marte. Em março deste ano, a rubrica “outras remunerações eventuais” no contracheque do militar teve o valor de R$ 376,8 mil, resultando em rendimentos líquidos de R$ 405,7 mil. A justificativa é a de que o militar está “em ajuste de contas” – ou seja, se preparando para deixar a ativa.
A Aeronáutica também proporcionou um pagamento líquido de quase R$ 400 mil a um outro Major-Brigadeiro do Ar que atua na área de Ensino da instituição. Graças a “remunerações eventuais” de R$ 377 mil, o major obteve, líquidos, R$ 398,5 mil. O valor é mais de dez vezes o salário de um ministro do STF, de R$ 39,2 mil. As informações foram levantadas pela reportagem do Estadão, usando os dados abertos do Portal da Transparência, e pelo gabinete do deputado Elias Vaz (PSB-GO), usando a mesma fonte.
Procurado, o Ministério da Defesa apenas reencaminhou uma nota já enviada dias antes ao Estadão. Segundo o texto, “os valores referem-se à remuneração mensal e a indenizações pontuais e a atrasados. Essas indenizações são relativas ao recebimento de férias não usufruídas ao longo da carreira, ou a outros direitos, que são calculados na ocasião da passagem dos militares para a reserva”.
“Cabe ressaltar que as Forças Armadas cumprem, rigorosamente, a legislação que rege o pagamento de seus militares e servidores civis. Os valores são lançados no Portal da Transparência e são submetidos à fiscalização dos órgãos de controle”, diz ainda a nota do ministério. Os comandos de Marinha, Exército e Aeronáutica também foram procurados, mas ainda não se manifestaram.
“Supersalários”
Nos últimos meses, alguns militares se aproximaram da cifra de R$ 1 milhão. Levantamento feito pela equipe do deputado Elias Vaz encontrou o caso de um militar da Aeronáutica cujos vencimentos brutos foram de R$ 818.902,09 em junho de 2021 – este é o montante antes dos descontos. Em novembro passado, os rendimentos brutos de outro aeronauta, que ocupou o posto de diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) chegou a R$ 719,7 mil.
Na semana passada, o Estadão publicou levantamento elaborado por Vaz como parte de um Requerimento de Informações (RIC) dirigido ao Ministério da Defesa sobre os rendimentos dos militares. O general Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, obteve rendimentos que somaram R$ 926 mil em dois meses de 2020, no auge da pandemia de covid-19 – só de férias, o general recebeu R$ 120 mil. Segundo os dados obtidos pelo parlamentar, alguns oficiais e pensionistas bateram a marca de R$ 1 milhão em rendimentos em um único mês – Vaz agora aguarda explicações da Defesa sobre o que ele classificou como “supersalários”.
Além de Braga Netto, também tiveram rendimentos elevados o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, o general Luiz Eduardo Ramos, e o ex-ministro de Minas e Energia, o general Bento Albuquerque. Em maio e junho de 2020, Albuquerque teve ganhos brutos de R$ 1 milhão. Já Ramos viu seus rendimentos chegarem a R$ 731,9 mil. Procurados, Braga Netto e Bento Albuquerque não responderam. Ramos disse que os valores têm caráter indenizatório ou de ressarcimento relativos à sua ida para a reserva.
Após a publicação da reportagem, o Ministério Público representou junto ao Tribunal de Contas da União para barrar os pagamentos dos “supercontracheques” aos militares mencionados.
“Ainda que fosse possível argumentar, de alguma maneira insondável, a compatibilidade dos pagamentos feitos com o princípio da legalidade, os pagamentos em questão permaneceriam incabíveis dada a total insensatez do período em que foi realizado (pandemia em que a população brasileira sofreu elevadas perdas econômicas), sendo completamente contrário às boas práticas administrativas, ao princípio da eficiência e ao interesse público”, escreveu o procurador Lucas Furtado, autor da representação.
Fonte: Estadão
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