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A ameaça de Bolsonaro

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Jair Bolsonaro disse ao Wall Street Journal que voltará ao Brasil para liderar a oposição. Se não quiser perpetuar a dialética infernal que recolocou no Planalto o lulopetismo – responsável pelos maiores escândalos de corrupção e a pior recessão da Nova República – nem a espiral de degradação que desembocou no 8 de Janeiro – o maior atentado à democracia desde a ditadura –, a direita, seja a liberal, seja a conservadora, deve fugir desse “líder” que nega todos os seus valores mais caros.

A direita civilizada deve se opor tão energicamente a Bolsonaro quanto a Lula. Em certo sentido, até mais. Seu enfrentamento ao lulopetismo é um combate corpo a corpo. Até as derrotas podem ser revigorantes, se servirem para reconduzi-la às fontes de sua potência e de seu dinamismo. Como disse Winston Churchill, “o sucesso não é final; o fracasso não é fatal; é a coragem de continuar que conta”. A luta com o bolsonarismo é de outra natureza. Não tanto contra um adversário em pé de igualdade, mas contra um patógeno, um parasita que suga suas energias a ponto da putrefação.

Bolsonaro não é conservador nem liberal, só reacionário e autoritário. O liberalismo crê na potência do livre-arbítrio e sua contrapartida, a responsabilidade individual. Daí a ênfase nas liberdades fundamentais, na igualdade ante a lei, na meritocracia, no livre mercado. O conservadorismo reverencia a sacralidade da família e a experiência acumulada pela sociedade nas tradições e materializada nas instituições. Ambos desconfiam da húbris humana. Por isso, creem no progresso rumo a uma sociedade mais justa e próspera por meio da distribuição, não da concentração do poder; do debate, não da imposição de ideias; da reforma, não da ruptura das instituições.

Não é liberal quem faz carreira insultando minorias; acumulando privilégios para sua família e clientela política; opondo-se a reformas e defendendo o intervencionismo estatal. Não é conservador quem desdenha tão orgulhosamente do princípio moral e religioso do amor ao próximo, especialmente lá onde ele é mais testado e necessário: na compaixão pelos desvalidos, os vulneráveis, os marginalizados e mesmo, sim, os marginais. Não é nem liberal nem conservador quem promove o culto à própria personalidade; quem vê a luta política não como um embate entre adversários, mas como a aniquilação de inimigos; quem violenta a separação dos Poderes e busca submetê-los ao seu tacão.

A direita, se quiser manter seu vigor e promover seus valores, deve combater esse corpo estranho. Mas não com seus mesmos meios. O bolsonarismo deve ser desmoralizado sem violência.

Não será fácil. Primeiro, porque liberais e conservadores precisam expiar seus próprios pecados, a começar pela complacência com as desigualdades sociais, e recobrar a convicção em seus ideais e sua capacidade de articulação. Mas também porque a facção da esquerda no poder fará de tudo para oxigenar esse parasita que corrói a direita e no qual os esquerdistas encontraram sua nêmesis ideal. Lula tem feito tudo menos cumprir suas promessas de conciliação e está redobrando a aposta no ressentimento, colando em toda oposição os rótulos de “elitista”, “fascista”, “golpista”, “genocida”, “terrorista”. Essa esquerda também deve ser desmoralizada. Mas não com seus mesmos meios.

Conservadores e liberais não devem buscar desmoralizar os eleitores de Lula ou Bolsonaro, mas ouvi-los, humildemente questioná-los, influenciá-los e, enfim, representá-los. Aos primeiros, precisam provar que antes que antagonizar seus ideais mais preciosos, a igualdade e a inclusão, só desconfiam dos instrumentos da esquerda e oferecem outros mais eficazes. Já as ansiedades dos eleitores de Bolsonaro – ante o crime, ante as intromissões estatais, ante as coerções das militâncias identitárias, ante a corrupção do “sistema” político – podem ser passíveis de distorções, mas exprimem, no fundo, um anseio pela lei e a ordem e pela preservação de valores universais. O desafio é mostrar que Bolsonaro, antes que liderá-los rumo à satisfação desses desejos, só os afastará dela, como os afastou, ainda mais.

Fonte: Estadão

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