**Rosana Leite Antunes de Barros
Se tem algo que não escolhe mulheres é a violência doméstica. Até profissionais que atuam no enfrentamento diuturnamente podem passar por ela?
Evidente que a resposta é positiva, como retratará o caso concreto aqui relatado.
A vítima é profissional de extrema competência a realizar a escuta ativa, consciente, responsável e indispensável das mulheres na mesma condição. Tem na profissão imensa realização, até pessoal, pois, costuma auxiliar que elas consigam se enxergar fora do relacionamento abusivo e com outra perspectiva de vida.
Dia comum, e Maria (nome fictício) faz um comentário nas redes sociais da ‘ex’. Passaram, então, a conversar constantemente, até que o relacionamento amoroso acontecesse. Tudo muito interessante, de forma que as ‘ocultações e mentiras’ iniciais passassem despercebidas, porquanto, o principal se constituía em viver aquele ‘amor’. Os sinais, segundo ela, foram inúmeros. Porém, até por extrema confiança de que não calharia em relacionamento agressivo, por experiência profissional, a fizeram embarcar em muitas situações.
Com poucos dias de convivência já não conseguiam se ‘largar’. Mulheres independentes, não havia motivo para ficaram distantes. Segundo Maria, Joana (nome fictício) a relatava constantemente que em outros relacionamentos por ela vividos, sempre havia sofrido por ser vítima.
O tempo foi passando e Maria deixara de conviver com pessoas próximas; de comunicativa se tornara apática; os laços de amizade e familiares começaram a se romper; palavras depreciativas constantes eram ouvidas; ciúme excessivo frequente; e demais circunstâncias se tornaram de absoluta infelicidade. Por se cuidar de relacionamento homoafetivo, Maria ouvia da namorada que percebia que homens e mulheres a olhavam com desejo. Para que as lesões corporais acontecessem foi um passo. Após as discussões, empurrões, socos e destruição de objetos eram constantes.
Não havia qualquer dúvida: Maria, mesmo com todo o preparo intelectual e profissional, se encontrava em situação de violência doméstica e familiar. Mas, após as brigas e agressões, Joana se desculpava e afirmava que apenas a namorada seria capaz de a ajudar e entender, afinal de contas, é psicóloga.
Com toda a sua força, Maria passa para a fase de se sentir responsável pela ‘cura’ da Joana. Com a ajuda da psicoterapia, Maria já se entendia como vítima, mas, sem forças para sair do relacionamento tóxico. Inclusive, conseguira entender que se saísse do relacionamento e Joana cometesse suicídio, como prometera, a culpa não poderia sobre ela recair.
O inevitável, e que se desenhava há muito tempo aconteceu. Certo dia, foi muito agredida: “Na última agressão física, ela me machucou bastante… Pegou uma faca e me enforcando com a mão esquerda, me ameaçou com a faca na mão direita apontada, mais ou menos na altura da minha cintura. E me dizia: eu tenho vontade de matar você. Você me enlouquece com a sua frieza.”
O resultado foram muitas marcas corporais da agressão no corpo da Maria, humilhação, óculos quebrados, e a imensa vontade de buscar o Poder Público. Não era a primeira vez, mas, seria a última. Segundo Maria, não houve conforto em buscar ajuda da rede de proteção a mulheres, lhe faltava coragem para conversar com pessoas que atendiam a essas ocasiões, e que ela conhecia a todas. Nas suas palavras: “Me faltou coragem de alma…”
O caso narrado é de violência doméstica e familiar, com amparo na Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha. A vítima se encontrava no ciclo da violência doméstica e familiar. Entendia que pudesse ‘curar’ a namorada, que fosse primordial nesse processo, e que ela dependia do respectivo cuidado, se sentindo responsável por ajuda-la a deixar de ser agressora.
Nada, nada substitui o conforto, sossego e paz do lar. Do verdadeiro lar, onde o refúgio é real! Maria se enxergou como vítima, entendeu que precisava de ajuda profissional, e, saiu da situação de violência. Enfática, afirmou: “Minha psicóloga me viu sair do inferno e voltar a viver.”
**Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.
Leave a Reply