Na manhã de hoje (1° de fevereiro), a Defensoria Pública ingressou com uma ação em face do Município de Rondonópolis (218 km de Cuiabá), solicitando a imediata emissão de atestado de aptidão de sanidade e capacidade física de Giulyane Santana, 25 anos, aprovada em primeiro lugar nas vagas destinadas a pessoas com deficiência (PCD) no concurso da educação municipal.
Giulyane, portadora do transtorno do espectro autista, foi aprovada em todas as fases do concurso público, mas acabou sendo considerada inapta para o cargo pelo Departamento de Saúde Ocupacional e Perícia Médica (Desopem) do Município.
O resultado da avaliação da Prefeitura foi baseado exclusivamente em um trecho do laudo médico encaminhado pela própria candidata, que dispõe que ela “evita lugares muitos cheios se possível (digo situações de interação social que não agreguem ou que não considerem prazerosas como festas cheias, bailes etc.)”.
Diante do resultado, a candidata ingressou com um recurso administrativo no dia 23 de janeiro, julgado improcedente no dia 26 pelo Município, mantendo o parecer do perito.
No entanto, segundo a ação da Defensoria, o laudo emitido pela psiquiatra, utilizado pelo médico perito do Município para declará-la inapta, foi interpretado de forma errônea, fora do contexto, sem considerar a parte mais importante, ou seja, o parecer final.
“(A requerente) consegue desempenhar seus papéis dentro do normal que sua área de atuação exige, ou seja, estar presente dentro de sala de aula com demais pessoas. Se sente bem no atual trabalho como pedagoga”, afirma a conclusão do laudo médico, que consta na ação.
Portanto, o parecer psiquiátrico constatou que a candidata está apta a exercer a função pretendida.
Nesse mesmo sentido, a médica que acompanha o tratamento da candidata também discorreu sobre sua capacidade para atuar como docente.
“Considerando o atual quadro psiquiátrico da paciente, e tendo em vista que paciente frequenta eventos escolares (festas escolares, formaturas) e ambiente de sala de aula sem nenhuma restrição ou prejuízo funcional, e que, diante do constatado, não se verificam alterações em seu exame psíquico de hoje que a impeçam de prosseguir com suas atividades laborais, a paciente encontra-se apta a frequentar o ambiente de sala de aula, dando continuidade à sua atuação como professora”, diz o segundo laudo médico.
Ainda assim, segundo a ação, como se não bastassem os relatórios médicos, o Município também não considerou que a candidata já trabalha na área, atuando como professora nos últimos quatro anos nos Municípios de Jaciara e Dom Aquino, bem como no Estado de Mato Grosso (Seduc).
Giulyane foi aprovada em primeiro lugar nas vagas reservadas a pessoas com deficiência (PCD), classificada em todas as etapas do certame, para o cargo de docente da educação infantil em Rondonópolis, com vencimentos de R$ 4.076,85.
Entretanto, a candidata está impedida de tomar posse no concurso, cuja convocação para lotação e provimento do cargo foi publicada no Diário Oficial do Município nos dias 26, 27 e 28 de janeiro.
“Eu desabei, não estava esperando por isso. Eu me senti humilhada na segunda perícia. Eles deixaram vazar meus documentos médicos. Isso é caso de preconceito. Meus alunos estão revoltados”, afirmou Giulyane.
A candidata conta que fez duas graduações, Licenciatura em Ciências da Natureza e Pedagogia, a última concluída em 2020.
Desde então, começou a trabalhar como auxiliar de desenvolvimento infantil (ADI) com deficientes auditivos, e como professora, por meio de contratos temporários. Ela afirma que já passou em outros concursos, como Polícia Militar (PM) e cargos técnicos, mas que tem vocação para o magistério.
“Gostaria de tomar posse. Conversei com a gestora de educação de Rondonópolis, tentei resolver amigavelmente, mas não foi possível”, relatou.
A presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Rondonópolis, Geane Teles, afirmou que falta preparo para o Município lidar com as pessoas com deficiência.
“Hoje, tivemos uma reunião com o Desopem e ficou cristalino para mim o seguinte: a gerência do departamento não conhece nem as leis que regem a conduta que deve ser aplicada aos peritos”, revelou.
Geane citou a luta de 16 mães que, ano passado, tiveram que protestar na Câmara dos Vereadores para garantir a redução da carga horária.
“É muito triste ver uma jovem autista, que passou em primeiro lugar, ter esse direito negado e ter que buscar as vias judiciais. Vejo a Giulyane chegando como um marcador de diferença para os próximos servidores com algum tipo de deficiência ingressarem no serviço público”, destacou.
Violação de direitos – Conforme a ação anulatória de ato administrativo, com pedido de tutela de urgência e danos morais, protocolada pelo defensor Valdenir Pereira, que atua por cumulação no Núcleo de Jaciara, houve a violação de diversos princípios jurídicos administrativos, como os princípios da legalidade, eficiência, finalidade e moralidade.
Ante o exposto, a Defensoria solicitou a imediata emissão de atestado de aptidão de sanidade e capacidade física, sob pena de multa diária de mil reais, bem como a garantia da vaga da candidata, conforme a ordem de aprovação no certame.
O defensor também pediu a condenação do Município ao pagamento de indenização por danos morais no valor não inferior a R$ 35 mil, além dos salários que a candidata possivelmente vai deixar de receber por não ter sido ainda nomeada.
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