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Justiça mantém rejeição de acordo com ex-chefe da Defensoria por esquema

O juiz Jean Garcia de Freitas Bezerra, da Sétima Vara Criminal de Cuiabá, negou um recurso do ex-defensor público geral de Mato Grosso, André Luiz Prieto, condenado a 10 anos de prisão em regime fechado, por peculato. Ele recorreu da decisão que rejeitou a homologação de um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) na sentença relativa a uma ação penal sobre um esquema que desviou mais de R$ 180 mil dos cofres da Defensoria Pública, no caso que ficou conhecido como “Farra das Passagens”.

A sentença de primeiro grau ainda condenou André Prieto à perda do cargo público, enquanto o empresário Luciomar Araújo Bastos, proprietário da Mundial Viagens e Turismo Ltda, foi sentenciado a 7 anos e 6 meses de reclusão. O ex-defensor pedia que o Ministério Público de Mato Grosso (MP-MT) se manifestasse nos autos sobre a possibilidade de ser firmado um Acordo de Não Persecução Penal.

Como argumento, era apontado que o crime de peculato não envolve violência ou grave ameaça, que a pena mínima é inferior a 4 anos, e que a continuidade delitiva e a ausência de confissão prévia não constituem obstáculos legais. Na primeira decisão, o magistrado apontou que a defesa de Luciomar Araújo Bastos não apresentou nenhuma omissão, contradição ou obscuridade a ser sanada e que, na verdade, o empresário tentava rediscutir o mérito da dosimetria de pena.

Em relação ao ex-defensor, o MP-MT apresentou uma proposta de acordo, mas o dispositivo foi negado pelo juiz. Segundo o magistrado, embora o Ministério Público tenha admitido a possibilidade de acordo, André Luiz Prieto foi condenado pela prática de sete crimes de peculato, em continuidade delitiva, tendo ainda sofrido causas de aumento de pena por se tratar de funcionário público que se valia do cargo em comissão e direção para cometer os atos.

Nos embargos de declaração, as defesas apontaram supostas contradições na decisão, sustentando que não houve formalização do acordo, tratando-se de decisão extra petita, ou seja, o magistrado julgou um pedido diferente do feito pelos réus. Também foi citado na apelação que o entendimento do juiz se deu com base em uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já superada.

Em sua decisão, o juiz entendeu que o recurso não era cabível, tendo em vista que, embora não tenha sido feita uma formalização definitiva da proposta de acordo pelo Ministério Público de Mato Grosso, o órgão apresentou todos os seus termos de forma clara e objetiva, permitindo ao juízo a análise que resultou na recusa.

O juiz relatou ainda que a decisão foi clara ao apontar que, no caso dos autos, as defesas não provocaram o Ministério Público para formular pedido de acordo na primeira oportunidade processual em que lhe convinha, vindo a fazê-lo somente em momento posterior, já após a prolação de sentença condenatória. Ainda segundo o magistrado, a pena de André Luiz Prieto supera os quatro anos, o que impede a realização do acordo com o ex-defensor geral.

“O que se percebe, na verdade, é que os embargantes pretendem rediscutir o mérito da decisão, o que não é possível pela via estreita dos embargos de declaração. Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, rejeito os embargos de declaração opostos por André Luiz Prieto e Luciomar Araújo Bastos, mantendo inalterada a decisão embargada”, diz a decisão.

O CASO

A denúncia narra que em fevereiro de 2011, a Defensoria Pública firmou contrato com a Mundial Viagens e Turismo Ltda., em uma licitação que tinha como objeto a contratação de agência especializada para futuro e eventual fretamento de aeronaves para atender a demanda do órgão, em Mato Grosso. As investigações indicaram que os denunciados fizeram uso indevido de dinheiro público, causando um prejuízo de R$ 220 mil à Defensoria Pública por meio de fraudes.

As irregularidades incluíram o superfaturamento de 104 horas de voo em aeronave bimotor, resultando em um dano de R$ 161,2 mil e o superfaturamento de 30 horas de voo em aeronave monomotor, totalizando R$ 35,7 mil. Além disso, foi identificado um pagamento de R$ 15.479,00 sem qualquer justificativa em faturas ou notas de empenho.

Segundo a denúncia, por ser o então ordenador de despesas, André Luiz Prieto era apontado como figura central no esquema, vez que frequentemente utilizava os fretamentos aéreos superfaturados e, por estar fisicamente presente nos voos, deveria ter conhecimento do número real de horas voadas, que ele próprio autorizava o pagamento.

As investigações revelaram que os denunciados teriam promovido um sofisticado esquema que envolvia a inflação do número de horas voadas em cada viagem aérea efetivamente realizada, cobrando valores exorbitantes e muito superiores ao tempo real de voo, chegando a um incremento de até oito vezes as horas necessárias para um mesmo trecho e padrão de aeronave, conforme apurado em comparação com orçamentos de outras empresas.

O esquema também consistia na simulação da realização de fretamentos aéreos, com o pagamento de viagens que sequer ocorreram, desviando montantes consideráveis dos cofres da instituição. Pilotos da empresa confirmaram que as horas efetivamente voadas eram significativamente menores do que as cobradas pela empresa, diante da apresentação do exato número de horas indicados no diário de bordo.

Foi destacado na sentença que o então gestor financeiro da Defensoria à época, Walter de Arruda Fortes, questionou o chefe de gabinete de André Luiz Prieto, Emanoel Rosa de Oliveira, sobre pagamentos de fretamentos de viagens que não ocorreram. A resposta teria sido para “ficar quieto e deixar em off”, indicando a tentativa de acobertar as irregularidades.

Walter de Arruda Fortes relatou ainda, em depoimento, que André Luiz Prieto solicitava remanejamento de despesas e exigia apresentação de extratos bancários quando não havia verba para saldar despesas contraídas “indevidamente”, e que foi exonerado do cargo por se opor a essas irregularidades.

O juiz condenou André Luiz Prieto e Luciomar Araújo Bastos na ação e, na dosimetria de pena, apontou que a postura do ex-defensor-geral seria uma traição ao mandato público e à missão institucional da Defensoria Pública. Segundo o magistrado, o desvio de recursos públicos em larga escala, sobretudo no órgão no qual o ex-servidor atuava, enfraquece o funcionamento de uma instituição essencial à justiça e à promoção da cidadania, com repercussões diretas sobre o acesso de pessoas vulneráveis à tutela judicial.

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