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O feminicidio e o silêncio, apesar das palavras

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*Suelme Fernandes

A propagação das imagens de mais um feminicídio de Emilly Bispo da Cruz de 20 anos num bairro de Cuiabá assassinada com 10 facadas na frente do seu filho, uma criança de 5 anos de idade, a luz do dia a caminho da escola, nos deixou “momentaneamente” perplexos com a crueldade humana. Seu filho segurava sua mão!

Ao longo de mais ou menos 72 mil anos de existência do Homo Sapiens na terra, episódios como esses e do massacre de Sinop por causa de um jogo de bilhar, pelos requintes de crueldade e frieza, nos causa a impressão que quase não evoluímos enquanto civilização.
Não sei como alguns códigos de letras cifradas pretensiosas desse artigo conseguirão traduzir tamanha indignação pelo ocorrido, sem ser demasiadamente repetitivo, impreciso na descrição dos fatos ou mais comovente que as próprias imagens do crime em si.

São quase que palavras inúteis, jogadas ao vento ou aos porcos, pois não tocarão, não convencerão e tais crimes se repetirão anonimamente, formando estatísticas sem rostos e sem roteiro.

Infelizmente, Jornais de papel e artigos como esse sempre serviram mais pra embalar mercadorias depois de lidos do que para mudar a realidade.

Como ensinar então esses valores humanísticos? Através das escolas, com as letras mortas quase indecifráveis dos livros e métodos analógicos ?

Fico a me perguntar: Onde foi que erramos? Nas estratégia educacionais familiares ou formais, nas regras, nas punições? Na religião?

Mas o pastor nas igrejas pregou: Amai o próximo; Honre pai e mãe; Não matar e leia as palavras da Bíblia. A paz do Senhor, alguém desejou na saída. O padre abençoou: A paz de Cristo esteja convosco!

Mas nem a benção, a saudação virou verdade! Que paz levamos no coração? Não conseguimos!
Ao saber do crime alguém, disse baixinho: É o Satanás que influenciou, isentando o pecador da culpa humana. Nossa máxima culpa! E depois orou de cabeça baixa, com consternação pela alma da vítima e por desencargo de consciência.

Em 1789, o legislador moderno depois de cortar a cabeça do Rei, declarou que agora vale os a lei escrita no papel dos homens, os Direitos Humanos Universais, todos são iguais perante a lei, homens e mulheres.

E ninguém parece que leu, quem leu não entendeu, quem entendeu não se comoveu, não se importou.Parece que continuamos no fundo da caverna platônica escura, preso aos determinismos biológicos de nossa raça humana.

Não adianta não ser machista, racista, temos que ser antimachistas disse a feminista indignada no grupo de bate papo digital, replicando Ângela Davis.

Um homem digitou em desacordo no mesmo grupo em caixa alta, começou o mimimi. E todos se silenciaram, por covardia, medo ou concordância. Machos escrotos! Exclamou e a mulher saiu do grupo em protesto. A violência nunca poderá ser traduzida ou evitada apenas com palavras bonitas, versículos bíblicos, lições, leis, capítulos e acórdãos, por mais eficientes e contundentes que sejam. As palavras ecoam e os exemplos individuais se arrastam, diz o ditado.

Vale mais nosso exemplo individual, nossa ética cotidiana, nossas provas de amor ao próximo e de indignação a banalidade do mal do que qualquer palavra dita ou maldita. Disse a cantora Vanessa da Mata e certamente disse a vítima ao bandido, e o assassino não ouviu mesmo tendo ouvidos: “É só isso. Não tem mais jeito. Acabou, boa sorte. São só palavras e o que eu sinto não mudará.”

Hobbes também falou no Sec. XVII que não tem jeito, seguiremos animais, como lobos. Rousseau, anos mais tarde, discordou, somos bons de nascença mas o meio nos corrompe. Será?

O filósofo Paulo Freire ensinou que todos nascemos “seres” biológicos praticamente iguais e nos tornamos humanos através da educação que recebemos. Dito isso, ao fim e ao cabo, sobra para todos nós diante do crime cometido o direito ao silêncio, um silêncio de tristeza, luto e de decepção com a raça humana. Silêncio de velório e do sepultamento de Emilly; Da criança de 5 anos orfã; Do réu que abaixará a cabeça covardemente sem palavras diante da sentença no tribunal; Silêncio do júri popular e da plateia que assistira de pé; Silêncio da oração em memória na igreja; Daqueles que não concordam com que ocorreu; Dos que não meteram a colher; Das mães que não educaram seus filhos homens; Dos pais que disseram que não sabem onde erraram com seus filhos machistas; Dos pais de meninas que se calaram; Da Segurança Pública e da Escola que falhou.

Textos não comovem, não servem para nada, dizem obviedades já sabidas por todos. Façamos então ao menos 1 minuto de meditação, silêncio e reflexão em honra e memória da jovem que se foi e será talvez mais útil que mil palavras.

Hoje em dia, mais me importa o que cada um faz para mudar a si mesmo do que qualquer frase bonita. O que eu escrevo é para que me reeduque diariamente, como mantra: não devo ser machista, não devo ser machista e quem sabe assim um dia. “Tá lá o corpo estendido no chão. Em vez de rosto, uma foto de um gol. Em vez de reza, uma praga de alguém. E um silêncio servindo de amém!”

*Suelme Fernandes – Político e Historiador

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