O petista não é o nome favorito do mercado, que agora espera nomeação de um perfil técnico na equipe
O petista Fernando Haddad foi oficialmente anunciado como o novo ministro da Fazenda. Candidato à presidência pelo PT em 2018, Haddad é bacharel em direito, mestre em economia e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), onde é professor de ciência política; ele foi ministro da Educação entre 2005 e 2012, além de prefeito da cidade de São Paulo entre 2013 e 2017.
O anúncio foi feito na sexta-feira (9) pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília, sede da transição, de onde também foram anunciados José Múcio Monteiro, na Defesa; Rui Costa, na Casa Civil; Flávio Dino, na Justiça e Segurança Pública; e Mauro Vieira, nas Relações Exteriores.
O nome de Haddad era ventilado para a pasta econômica desde o fim de outubro, quando o resultado das eleições elegeu Lula para seu terceiro mandato. Mas, como contamos nesta reportagem, era considerado o pior dos cenários para o mercado financeiro, que esperava um ministro de fora do núcleo do PT, mais próximo das pautas e reformas liberais.
Uma expectativa que havia ganhado força desde que nomes como Henrique Meirelles, Armínio Fraga e André Lara Rezende – pais do Plano Real – declararam apoio público ao petista nas eleições e até aceitaram participar da equipe econômica da transição do governo. A confirmação de Haddad, portanto, joga um balde de água fria em quem sonhava com um ministro mais “pró-mercado”.
“EXISTE UM POUCO MÁ VONTADE DO MERCADO COM O HADDAD”, DESTACA MÁRIO LIMA, ANALISTA SÊNIOR DE POLÍTICA E MACROECONOMIA DA MEDLEY ADVISORS. “ELE TEM UM HISTÓRICO DE RESPONSABILIDADE FISCAL COMO PREFEITO, MAS É VISTO COM ALGUM CETICISMO PORQUE SEMPRE SE APRESENTOU COMO UMA PESSOA IDEOLOGICAMENTE DE ESQUERDA, AINDA QUE MODERADO. E ISSO NÃO É ALGO QUE É BEM VISTO PELO MERCADO.”
Parte das críticas à nomeação também aponta que trata-se de uma escolha política, e não técnica. “O nome de Haddad traz alguns questionamentos sobre a ‘autonomia’ que ele pode ter frente ao Lula e se seria capaz de encampar um embate caso seja aconselhado tecnicamente a tentar conter alguns ímpetos do presidente”, afirma Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.
Mas a escolha de um ministro com perfil político não é novidade nas gestões de Lula. Em seu primeiro mandato, o escolhido para a Fazenda foi o ex-deputado petista Antonio Palocci, a quem inclusive Lula fez referência durante a transição, dizendo que a função do novo ministro seria “repetir o sucesso” de sua gestão entre 2003 e 2006.
Mas isso não significa que Haddad não terá desafios pela frente. O maior deles? Convencer o mercado de que o novo governo não representa um risco às contas públicas, em um momento em que a discussão da PEC de Transição – e o espaço aberto de R$ 168 bilhões no teto de gastos – penaliza os ativos de renda variável nas últimas semanas, com a expansão dos juros futuros e o aumento do dólar.
Aqui, contamos a avaliação do mercado sobre o texto da PEC aprovado pelo Senado.
“O FOCO DA DESCONFIANÇA ESTÁ NA ÁREA FISCAL”, DIZ IGOR CAVACA, HEAD DE GESTÃO DE INVESTIMENTOS DA WARREN. “O NOVO MINISTRO ASSUME TRAZENDO UMA CERTA INCERTEZA, DECORRENTE DE DOIS OBJETIVOS ANTAGÔNICOS QUE VEM SENDO SINALIZADOS PELO GOVERNO. DE UM LADO, AMPLIAR GASTOS COM PROGRAMAS SOCIAIS; DO OUTRO, FICAR ATENTO À ÂNCORA FISCAL E EXPECTATIVAS DOS AGENTES EM UM AMBIENTE ECONÔMICO COMPLEXO.”
O E-Investidor ouviu 18 fontes do mercado financeiro para entender quais são as expectativas para a gestão de Haddad à frente do Ministério da Fazenda a partir de 2023. Confira:
Acilio Marinello, da Trevisan Escola de Negócios
“O impacto foi de certa forma positivo no mercado, mantendo a bolsa estável e o dólar no patamar esperado para o dia. Agora a expectativa é pelo anúncio do ministro do Planejamento.
O mercado espera alguém com um perfil mais técnico, uma trajetória com atuação como economista, em setores ligados ao governo. Os nomes mais bem avaliados pelo mercado são Pérsio Arida, que participou da criação do Plano Real e faz parte da equipe de transição, e André Lara Rezende. Ambos têm um perfil mais técnico e uma visão mais ortodoxa em relação à macroeconomia, com respeito à responsabilidade fiscal. Em conjunto com este novo ministério, será muito bem recebido pelo mercado. Vindo este anúncio na próxima semana, é muito provável que o mercado reduza esta tensão, esta volatilidade, e passe a trabalhar em um cenário mais estável.”
Álvaro Bandeira, economista e consultor financeiro
“Fernando Haddad pode ser considerado como um dos melhores quadros do PT, mas certamente existem outros economistas gabaritados que trariam maior tranquilidade aos mercados.
Seria bom que o Lula replicasse o seu primeiro mandato, que foi muito bem sucedido, mas, pelo que estamos assistindo até aqui, ainda está distante disso. Para essa guinada, vai precisar trabalhar em conjunto com o setor privado, dando abertura à economia para atrair investimentos, cuidando da dívida e déficit fiscal. O social não é dissociado do fiscal, é preciso conter gastos esdrúxulos.”
Bruno Monsanto, sócio da RJ Investimentos
“Haddad entra mais como articulador político do que como técnico formulador no campo econômico. A política econômica tem um componente fiscal que é determinante, e o PT inverteu o que seria a ordem natural para sua condução com a PEC da transição antes da apresentação de qualquer plano econômico.
Lula e Haddad sabem melhor ainda que, diferente da conotação distorcida colocada em seus discursos de campanha, o mercado não joga contra o povo e não se resume a financistas especuladores, e sim a empresas, empregos, renda, fluxo de capitais e investimentos. E se o governo insiste em negligenciar as sinalizações do mercado, a começar pelo crescente risco de um rebaixamento por agências de rating, a economia real pode começar a sentir os efeitos negativos dessa irresponsabilidade.”
Bruno Mori, economista e sócio fundador da Sarfin
“A nomeação do Haddad traz incerteza, no sentido de que ele não tem um histórico de atuação nessa área. Foi prefeito de São Paulo, não conseguiu ser reeleito e teve uma aprovação super baixa quando saiu da prefeitura. Na época que foi ministro do Lula, foi uma área totalmente diferente.
A ideia é que ele corrobore com as ideias do partido de expansão do gasto público. Ele é um intelectual, tem uma tradição esquerdista, que acha que o Estado tem que ter um papel maior. A preocupação é com o descontrole das contas.”
Caio Canez de Castro, sócio da GT Capital
“A bolsa subiu na sexta mesmo com a indicação de Haddad na Fazenda. Ele já era um nome dado, consenso do mercado e já vinha participando de reuniões estratégicas da equipe de transição e relacionadas à economia.
Já com relação ao futuro da economia, vejo Haddad como braço direito de Lula, então veremos o presidente eleito muito ativo na área econômica. Não podemos deixar de ter atenção ao risco fiscal, que é o fator principal de preocupação para o mercado, que colabora para o cenário de volatilidade na bolsa.”
Cristina Helena Pinto de Mello, professora de Economia da ESPM
“Haddad é excelente gestor público e um grande negociador político. Terá habilidade em fazer uma política econômica direcionada ao crescimento mantendo a evolução da dívida sob controle.
Esperamos que o anúncio do nome para a pasta acalme o mercado. Espera-se dele a retomada do crescimento econômico apoiado fortemente na recuperação do consumo e ações de mitigação da desigualdade e direcionadas à redução da miséria. Uso das instituições públicas em favor da oferta de crédito e incentivos fiscais no curto prazo com diálogo e articulação para uma agenda de crescimento da renda e do emprego e inserção econômica internacional relevante em um cenário global desafiador.”
Edmar de Oliveira, operador de renda variável da One Investimentos
“O cenário ideal seria manter um perfil um pouco mais técnico para o ministério da Fazenda. Só que o mercado entende a necessidade de ter um político no ministério. Vimos que logo no início do mandato do Bolsonaro, o Guedes teve uma dificuldade muito grande de dialogar com o Congresso e alas de outros espectros ideológicos.
Eu diria que a precificação negativa de Haddad provavelmente já deve ter acontecido, principalmente diante da magnitude das quedas que a bolsa teve nos últimos dias. Se houver a nomeação de nomes mais técnicos para a equipe da Fazenda podemos ver uma reação positiva.”
Erich Decat, head do time de análise política da Warren Renascença
“O anúncio do Haddad para o ministério da Fazenda já está no preço. Todas as últimas movimentações no tabuleiro de Brasília o colocaram na cadeira. É um posto de confiança de Lula. A turma do mercado vive hoje a expectativa de qual será o discurso dele sobre a agenda econômica e vai ficar de olho na composição do time e principalmente nos nomes que serão indicados para o Planejamento.”
Mário Lima, analista sênior de política e macroeconomia da Medley Advisors
“Existe má vontade do mercado com o Haddad. Ele tem um histórico de responsabilidade fiscal como prefeito, mas o nome dele é visto com algum ceticismo porque tem uma personalidade, sempre se apresentou como uma pessoa ideologicamente de esquerda, ainda que moderado. E isso não é algo que é bem visto pelo mercado.
Para poder vencer um pouco dessa resistência, primeiro ele vai ter que mostrar a capacidade de formar um bom time. E a primeira grande disputa será no novo arcabouço fiscal. Acredito que a reforma tributária vai ser a segunda a briga. Vai ser ali que ele vai começar a confiança. Nunca vai ser o homem dos sonhos do mercado financeiro e também não vai se esforçar para ser, mas definitivamente o pragmatismo vai falar mais alto. E o mercado, de uma maneira geral, tem que ser pragmático, pois só ganha dinheiro quem faz as apostas corretas.”
Renato Breia, sócio-fundador da Nord Research
“Quando essa notícia saiu pela primeira vez, o mercado reagiu muito mal. De lá para cá o governo passou sinais tão ruins desde a PEC de Transição que parece que o PT está no caminho de ser mais Dilma 1 ou Lula 2 do que um novo Lula 1, que todo mundo sonhava. O nome do Haddad é só mais um sinal ruim.
Dentre as alas do PT, pode ser considerado até como não tão radical, mas ainda assim é do PT. O que resta saber agora é como vai se comportar o Congresso. Se a gente tiver um governo irresponsável, mas um Congresso responsável e duro, podemos ter alguma esperança.”
Rodrigo Natali, estrategista-chefe da Inv
“Não foi uma surpresa. O mercado já sabia que era isso e vai se acalmar com o tempo porque não tem o que fazer. O mercado se acostumou, por exemplo, a conviver com [Guido] Mantega, que as pessoas não gostavam, e nem por isso o mercado deixou de performar melhor.
O que interessa daqui pra frente são fatos; a PEC, alguma demonstração pública de mais compromisso fiscal. O nome em si não é tão relevante, porque as políticas até agora estão sendo feitas fora do Ministério da Fazenda.”
Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos
“Haddad é do núcleo duro do PT, centraliza o poder de tomada de decisão deste governo. Alguém que não fosse desse núcleo duro, poderia dar uma diluída esse poder de decisão. E é isso que o mercado teme. Além disso, ele não é considerado um ministro técnico, o que também joga contra ele. O que vamos acompanhar e pode fazer preço, tanto para um lado como para o outro, é a eventual equipe de técnicos que ele vai apresentar.””
Fonte: Estadão
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