Desde a década de 50 o Brasil promove políticas de desenvolvimento regional para que a renda per capita do Norte e do Nordeste convirja aos valores do Sul e do Sudeste. A Constituição previu dispositivos nesse sentido, e as propostas no Congresso se multiplicam. Mas a persistente desigualdade regional mostra que essas políticas têm sido ineficazes. Ao mesmo tempo, políticas não regionais que concentram benefícios no Sul e no Sudeste aumentam colateralmente as desproporções. Um estudo do economista do Insper Marcos Mendes – Reformas, Políticas Públicas de Qualidade e a Desigualdade Regional – diagnostica esses problemas e aponta soluções.
A pesquisa analisa três hipóteses para explicar as disparidades regionais. A primeira aponta uma inexistência de condições para a industrialização do Norte e do Nordeste a ser sanada com subsídios ao investimento privado. A segunda é que o capital humano no Norte e no Nordeste teria se defasado por razões históricas: a arrancada industrial concentrada no Sul e no Sudeste. Os remédios seriam políticas focadas no desenvolvimento de capital humano. A terceira é de cunho institucional: os latifúndios escravocratas teriam moldado uma cultura de distribuição de privilégios e apropriação da máquina pública pelas elites locais. Nesse caso, o remédio é remover privilégios e ampliar o acesso à competição política e econômica nessas regiões.
Obviamente, essas causas não são excludentes. Ao contrário, concorrem para reforçar umas às outras em um círculo vicioso. Consequentemente, não há uma “bala de prata” para solucionar o problema. Mas é preciso, sim, rever prioridades no desenho de políticas públicas.
A tese da falta de condições de industrialização tem prevalecido. Os subsídios às empresas locais consomem 1% do PIB por ano, com resultados escassos, além de abrirem margem à corrupção. Não se trata, necessariamente, de rejeitar políticas industriais regionais, mas de temperá-las com foco em outras prioridades, sobretudo o capital humano.
A educação pública deve ser prioritária. Mas não via ampliação de gastos – já comparativamente altos –, e sim de sua qualificação. O mesmo vale para programas sociais, cujas disfuncionalidades beneficiam indevidamente as classes média e alta, em vez dos 40% mais pobres.
Além disso, o estudo sugere aperfeiçoamentos na Previdência Social, no Fundo de Participação dos Municípios (FPM), na tributação e na abertura comercial.
No caso da Previdência, trata-se de prosseguir na esteira da reforma de 2019, reduzindo injustiças distributivas que privilegiam trabalhadores do setor formal e, sobretudo, do serviço público. As disfuncionalidades do FPM levam a transferências excessivas para municípios pequenos (sobretudo no Sul) e ao subfinanciamento das cidades médias e periferias carentes de serviços sociais. No campo tributário, uma racionalização do sistema mais focada na incidência sobre o local do consumo aumentaria a fatia de arrecadação do Norte e do Nordeste. De resto, os atuais benefícios tributários, que em 20 anos cresceram de 2% para 4,3% do PIB, beneficiam grupos de pressão (aumentando a carga sobre os não beneficiados), distorcem preços, subsidiam empreendimentos ineficientes e concentram a renda. Finalmente, políticas protecionistas favorecem empresas no Sul e no Sudeste que vendem insumos e produtos caros ao Norte e ao Nordeste. Mais abertura comercial permitiria a entrada de máquinas e equipamentos mais baratos, facilitando o reposicionamento do Norte e do Nordeste como polo exportador.
O mérito de cada um desses diagnósticos e remédios pode ser avaliado individualmente. Mas o que eles sugerem é que a solução para a desigualdade regional é reverter o baixo crescimento e a desigualdade nacional. Políticas regionais podem ser pertinentes, mas devem ser subsidiárias. Como concluiu Mendes em entrevista ao Estadão, “se a gente se preocupar em resolver o problema da pobreza, da ignorância e da baixa qualidade produtiva das pessoas, independente do local onde elas estejam, vamos ter melhores resultados em termos de crescimento econômico e, ao mesmo tempo, redução da desigualdade regional”.
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