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STF: A LEI DO BEM DE FAMÍLIA E O CONSEQUENCIALISMO JURÍDICO

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** Maurício Aude

A Lei 8.009/90, batizada como a Lei do Bem de Família, dispõe sobre a impenhorabilidade do único bem imóvel residencial próprio do casal ou entidade familiar, o salvaguardando da penhora decorrente de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.

É certo, como se vê da jurisprudência, que o conceito já foi alargado em algumas oportunidades, em que se assegurou a impenhorabilidade do bem imóvel mesmo por dívida de pessoa solteira, divorciada ou viúva e, também, em casos em que o devedor não resida no imóvel, mas sim tenha sua subsistência baseada na renda obtida a partir de sua locação, por exemplo.

Mas esse não é o objeto de discussão neste artigo, posto que aqui trataremos da recentíssima decisão do STF, que em voto prevalente do Ministro Alexandre de Moraes, concluiu ser constitucional a penhora de bem de família que pertença a fiador em contrato de locação comercial, considerando para tanto as consequências práticas de eventual decisão em sentido contrário.

A tese fixada por maioria decorreu de debate que teve por objeto a abrangência do inciso VIII, do art. 3º, da Lei do Bem de Família, segundo o qual é inoponível o benefício da impenhorabilidade em processos propostos por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

O Supremo foi chamado a decidir se, nos casos de fiança prestada em contratos de locação comercial, também seria penhorável o único bem imóvel dado em garantia pelo fiador.

Inúmeros foram os fundamentos lançados pelo Ministro Relator, para quem a penhora do bem é constitucional, não violando o direito à moradia do fiador, tais como a livre disponibilidade do direito de propriedade por parte do garantidor quando do oferecimento do imóvel em contrato de locação, a ausência de previsão legal quanto à penhorabilidade de bem do fiador recair somente na hipótese de locação residencial e, dentre outros, princípios positivados do dirigismo contratual, como a boa-fé objetiva e a probidade.

A par de tais fundamentos, e dento do que nos propomos a debater, destaca-se a aplicação do art. 20, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Lei nº 4.657/42, alterada pela Lei nº 13.665/2018), que positivou no direito pátrio o consequencialismo jurídico, prevendo que não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.

Em seu voto, o Ministro Alexandre de Moraes anotou que a impenhorabilidade do bem de família do fiador de locação comercial teria o condão de causar grave impacto na liberdade de empreender do locatário”, assim compreendendo por que o locador poderia passar a exigir do locatário garantias mais onerosas e burocráticas como a caução, a fiança, o seguro de fiança locatícia ou a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.

O voto condutor ainda assinalou que a fiança é a forma de garantia menos burocrática e menos dispendiosa para o locatário, ademais de mais segura para o locador, sendo certo que decisão noutro sentido criaria “um estímulo econômico de substituição da fiança nas locações comerciais por outros tipos de garantia e provocaria profundas mudanças no mercado, em especial para os lojistas menores” que deparariam com “custos e complexidades adicionais relacionados à locação de imóvel comercial, o que poderá até mesmo inviabilizar o negócio”.

Os trechos destacados denotam a aplicação do consequencialismo jurídico no voto.

Sem embargo de críticas ao consequencialismo, segundo as quais sua aplicação traria insegurança jurídica – o que no caso considerado efetivamente não ocorre, posto que ao contrário se garante a segurança nas relações locatícias – temos que o julgado em comento é exemplo típico da aplicação do princípio consequencialista, que uma vez aplicado levou em consideração as consequências econômicas para decidir pelo estrito cumprimento da norma prescrita em lei.

Com isso, e mais uma vez – posto que em vários julgados o STF tem se valido da aplicação dos preceitos do consequencialismo jurídico – o Tribunal torna cada vez mais relevante no âmbito do direito brasileiro, a valoração judicial do viés econômico para formação do convencimento do julgador, ponderando a partir de tal viés, quais seriam as consequências de decisão em sentido oposto.

Conclui-se, pois, que o STF não lançou mão do consequencialismo jurídico de forma aleatória, indiscriminada e sem controle, mas sim, muito longe disso, atendeu ao critério da consistência, demonstrando que a decisão está em conformidade com o arcabouço jurídico aplicável, depois obedeceu ao critério da coerência, não deixando dúvidas de que a decisão está sustentada em princípios jurídicos para, só ao fim e ao cabo, utilizar o argumento consequencialista.

** Maurício Aude – Advogado – ex-presidente da OAB/MT

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