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Vivi para contar: ‘Nossa família enfrenta o Google. As plataformas viraram monstros’

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Dois processos questionando a Seção 230 da Lei americana de Decência das Comunicações, criada em 1996, um dos pilares na legislação de Internet, estão pondo em xeque a isenção de responsabilidade que plataformas digitais têm sobre o conteúdo publicado por seus usuários.

A discussão chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos e, a depender da decisão final, prevista para junho, pode puxar a revisão da regra.

Ambos os casos falam sobre terrorismo. Um deles é movido pelo Twitter, embora inclua também Facebook e Google, em resposta a acusações acolhidas pela Justiça de que essas plataformas são cúmplices de atos terroristas ao hospedarem o conteúdo de usuários que demonstram apoio a grupos que praticam esses atos extremistas.

O outro foi aberto por familiares de Nohemi Gonzalez, jovem americana morta em novembro de 2015 em Paris, enquanto estava em um restaurante, vítima de um dentre vários atentados terroristas cometidos pelo Estado Islâmico, incluindo o casa de espetáculos Bataclan.

Familiares da estudante acusam o Google — pois a empresa da Alphabet é a controladora da plataforma de vídeos YouTube — de ter não apenas hospedado, mas também impulsionando vídeos de conteúdo terrorista. O argumento é que, ao recomendar conteúdo com base em preferência dos usuários, o YouTube teve influência na radicalização de quem viu esses vídeos.

Beatriz Gonzalez, mãe de Beatriz, falou à Época sobre a perda da filha e como tem sido a jornada contra um gigante da tecnologia como o Google, que ela classifica como “monstros”.

“Há alguns anos, quando aconteceu o ataque terrorista, um grupo de advogados entrou em contato conosco e nos explicou que estavam lutando por conseguir justiça. Começaram a trabalhar em Israel, e depois estenderam seu trabalho ao resto do mundo em busca de casos.

No ataque em Paris morreram cerca de 130 pessoas. Ainda não consegui processar o que estamos vivendo. Pensar que podemos derrotar esse monstro é incrível. Somos imigrantes mexicanos, e acabamos de nos mudar para o estado do Novo México, somos estilistas, cabeleireiros.

Após a morte de Nohemi, que tinha 23 anos, criamos uma ONG em sua homenagem, e cortamos o cabelo de crianças sem recursos, também entregamos brinquedos e materiais escolares. Fazemos eventos em comunidades, sobretudo em Los Angeles, onde moramos muito tempo, porque queremos estar ocupados em coisas positivas.

Nohemi era ativa, independente, sempre teve o desejo de ajudar os outros. Achamos que ela estaria feliz com o que estamos fazendo, lutando pelo bem estar de outras famílias.

Nosso caso foi selecionado, e com eles aprendemos o movimento enorme que estavam tentando fazer para lutar contra o terrorismo. Nos disseram que era possível conseguir alguma coisa, mas nunca imaginamos que chegaríamos à Suprema Corte dos Estados Unidos.

No começo, eu fiquei muito afetada, todos ficamos, e pedi um tempo para me recuperar. Eles abriram o caso e me deram espaço para que eu pudesse superar minha dor, da melhor maneira possível. Os anos passaram e se comunicavam com a gente para contar sobre os avanços. Nos contavam as plataformas que iam sendo descartadas no processo, como Twitter.

Foi uma surpresa enorme quando, em setembro do ano passado, o advogado nos telefonou e disse, primeiro, que se não estivéssemos sentados, que nos sentássemos. Nos contou que o caso tinha chegado à Suprema Corte e nos aconselhou a ir a Washington.

Conversamos e decidimos ir e apoiar esta grande causa contra grupos terroristas, como o Estado Islâmico, que atuam e se movem nas plataformas digitais livremente. Agora estamos num caso em que nossa família enfrenta a plataforma Google.

Em 1996, quando as redes sociais e as plataformas de internet começaram a funcionar, tiveram sinal verde para fazer tudo, ninguém imaginou que cresceriam tanto. Tiveram total liberdade, e agora é preciso que existam mais regras. É preciso modificar normas vigentes, para que estas plataformas não tenham imunidade.

Entendemos que as plataformas têm responsabilidade no nosso e em muitos outros casos. Se você entra numa plataforma, por exemplo, para procurar instruções para renovar sua carteira de motorista, e isso já me aconteceu, aparecem anúncios sobre como conseguir carteiras falsificadas.

Plataformas como a Google, de certa forma, colaboram com muitas coisas, inclusive com o terrorismo. Devem existir limites. Desde 1996, muitos tentaram e ninguém conseguiu chegar tão longe numa demanda contra grandes plataformas.

Independentemente do resultado, as mudanças já estão acontecendo, já estamos fazendo História. Esta semana, haverá uma primeira audiência no Senado americano para discutir este caso. A primeira audiência na Corte foi no final de fevereiro, e a próxima está prevista para junho. O impacto deste caso deveria chegar a outros países, porque os terroristas atuam em todo o mundo.

Esperamos que a Google faça modificações globais. Hoje eles não assumem qualquer responsabilidade. Pense uma coisa: na década de 1980, se dirigia de forma diferente. Com o tempo, as leis foram modificadas e hoje é obrigatório usar cinto de segurança. Isso aqui é a mesma coisa. As leis precisam mudar à medida que as consequências negativas de determinadas atividades vão acontecendo.

Nunca se pensou que as plataformas digitais teriam tanta força, que seria tão fácil se comunicar. As leis ficaram obsoletas, e as plataformas viraram monstros. Elas não podem continuar tendo uma imunidade absoluta. As plataformas são monstros da informação, e as pessoas que querem causar dano sempre encontram uma maneira através dessas plataformas, sem qualquer tipo de limite.

O Google deve aceitar que as pessoas se engajam em coisas ruins, que as mentes das pessoas são manipuladas. Minha filha estava estudando um semestre em Paris, e foi vítima de um atentado do Estado Islâmico, algo que jamais, jamais imaginamos. Ela foi comer em um restaurante e foi atingida por disparos fulminantes, morreu na hora.

Que nosso caso chegue a Suprema Corte é surpreendente, mas somos muitas as famílias afetadas pelo terrorismo e alguém precisa se responsabilizar.

“Os ataques continuam, e plataformas como o Google são responsáveis porque permitem que esses grupos terroristas atuem com liberdade plena. Já aconteceu, continua acontecendo. Estamos fazendo isso porque esta é uma causa justa. As pessoas precisam deixar de perder suas famílias em ataques sem sentido.”

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